segunda-feira, 13 de outubro de 2014

EXCLUSIVO: Avião que caiu em Sena Madureira fazia voo ‘pirata’

Quando o ministro da aviação, Moreira Franco, assinava a ordem de serviço para obras de reforma, reforço, alargamento e implantação do sistema de drenagem da pista do aeroporto internacional de Rio Branco, orçadas em R$ 97 milhões, na última quarta-feira (8), o 8º Batalhão da Policia Militar do Acre e a Equipe de buscas da Força Aérea Brasileira (FAB) encontravam vivo, mais um piloto – Jonas Guilherme, 63 anos – vítima da pirataria que invade o céu amazônico.
Segundo documento que o ac24horas teve acesso com exclusividade, a aeronave de matrícula PT-KMS, envolvida no acidente, está com Inspeção Anual de Manutenção (IAM) vencida e com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) vencido e cancelado. “Portanto, a aeronave não estava apta a operar”, confirmou a assessoria de imprensa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em entrevista ao ac24horas, o piloto Jonas Guilherme disse que o motor do avião era novo, não tinha 250 horas de voo. Há suspeitas de que a manutenção da aeronave tenha sido realizada no fundo de um quintal, em Sena Madureira.
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Moreira Franco foi convidado a interromper a entrevista coletiva que concedia no saguão do aeroporto em Rio Branco, quando a reportagem do ac24horasinterrogava-o sobre o conhecimento do governo federal da ‘pirataria’ que invadiu a Aviação na Amazônia e as péssimas condições das pistas dos aeródromos no interior do Acre. Um risco constante para quem está no ar ou em terra firme.
“Sabemos da precariedade que afeta também os aeroportos do interior, alguns até operando clandestinamente,” declarou Moreira antes de se retirar da coletiva.
O que o ministro atestou, a Associação Brasileira de Taxi Aéreo (Abtaer) denunciou no Senado: a existência de transporte aéreo clandestino no Brasil com o amplo conhecimento do governo federal. Cerca de 500 aeronaves tipo o avião Cessna Aircraft, modelo 182P, pilotado por Jonas Guilherme no último domingo (5), são usados ilegalmente para transportes de pessoas e cargas, sem possuir autorização para isso.
Aeródromo de Manoel Urbano é usado no Acre como uma espécie de hangar de aviões irregulares
O Acre foi apontado em recente reportagem no Fantástico, na Rede Globo, como rota para essa prática ilegal na aviação brasileira. O ac24horas já investigava a denuncia de pirataria no céu da Amazônia antes do acidente ocorrido no último domingo. Com a ajuda de um piloto com larga experiência, cuja identidade será preservada, a reportagem conseguiu chegar ao local utilizado como uma espécie de hangar pelos proprietários de aviões tipo Cessna, aerovanves irregulares e proibidas de fazer pousos e decolagens do Aeroporto Internacional de Rio Branco.
A imagem exclusiva mostra o Cessna que foi pilotado por Jonas Guilherme, intacto, em solo, antes de sua última decolagem, o voo do dia 5 de outubro. O pátio é do Aeródromo de Manoel Urbano, cidade localizada a 244 km da capital.
Avião que caiu estacionado em Manoel Urbano
Inaugurado no dia 04 de Abril de 2004, pelo ex-governador Jorge Viana (atual Senador da República) o local encontra-se totalmente abandonado. A estrutura que deveria ser utilizada para a fiscalização de aeronaves e o controle de embarque e desembarque de passageiros está tomada pelo mato. A ausência do estado facilita a aviação clandestina de passageiros e cargas.
Outro flagrante foi dado pela reportagem de uma carga de produtos perecíveis que deveria ser embarcada em Rio Branco, mas que por motivos ainda não declarados, saiu da pista de Manoel Urbano, com destino a Santa Rosa do Purus.
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Em outra investigação, a reportagem conseguiu fotos exclusivas de um avião bi-motor da empresa Ortiz que se espatifou no chão de uma pista improvisada, em Rio Branco, logo após tentar decolagem. Por sorte as três pessoas que estavam na pequena aeronave nada sofreram.  “Realmente poderia ter sido um acidente grave, mas o piloto conseguiu parar o avião antes que ele ganhasse velocidade e altura”, disse o diretor de uma conceituada empresa que usava os serviços após sair ileso do acidente.
Foi da pista de Manoel Urbano que Jonas Guilherme decolou no último domingo (5) para um voo, que segundo o piloto, deveria demorar 22 minutos. A decolagem que terminaria em uma pista particular – supostamente clandestina – foi interrompida por uma pane no motor, que segundo a Anac, é o problema mais comum apresentado em acidentes aéreos no Brasil, 40% em aviões particulares sem nenhuma manutenção adequada.

Embora tenha surgido a informação de que o avião PT-KMS deveria após o pouso programado, decolar para uma manutenção no aeroporto de Rio Branco, há informações de que o motor do avião que em documentos da ANAC é de propriedade de Romildo Venâncio da Costa tenha sido feito recentemente, no fundo de um quintal, na cidade de Sena Madureira. E como já se manifestou a ANAC, a aeronave não tinha autorização para operar.
Piloto diz que não sabia das irregularidades da aeronave
Procurado pela reportagem em sua residência, no município de Senador Guiomard, 23 km de Rio Branco, na última sexta-feira (10), o piloto Jonas Guilherme disse que estava em casa no sábado, dia 4, quando recebeu o convite de um colega para retirar a aeronave do aeródromo de Manoel Urbano, para uma fazenda, cerca de 2 horas de carro do local ou vinte minutos do voo programado para o domingo.
“Dormimos em Manoel Urbano e na manhã de domingo fomos ao aeroporto, abastecemos a aeronave, enchemos um dos pneus que estava seco. Decolei e com uns quinze minutos o motor começou a apagar. O tempo ruim não ajudou. Eu tentei voar acima do nevoeiro. Com 18 minutos ele pipocou de novo. Comecei a descer, com 600 pés a situação foi piorando. Não levei GPS, cheguei a ver um igarapé cheio de muitas curvas, não dava para acompanhar. Quando o motor parou a opção foi jogar a aeronave nas copas das árvores” relatou.
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Com mais de 15 mil horas de voo, Jonas confessa que errou ao não levar equipamento de segurança como o GPS que poderia lhe auxiliar na descida. Ele também negou que soubesse as condições irregulares da aeronave. Quando perguntamos sobre o motor do avião ele disse que era novo e tinha pouco mais de 250 horas de voo.
“Não era um voo comercial, a ideia era tirar a aeronave do aeródromo e levar para uma fazenda”, acrescentou.
Segundo o ac24horas apurou, o amigo que o piloto se refere como proprietário do avião é Turiano Filho, ex-candidato a prefeito no município de Jordão pelo PSDB nas eleições de 2012, que após derrota nas urnas, comprou dois aviões em São Paulo, um deles, o Cessna de prefixo PT-KMS.
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Jonas escapou do acidente, mas pode responder criminalmente por descumprir normas da Aviação Civil

O milagre que livrou o experiente piloto Jonas Guilherme da morte, não o livrará de responder criminalmente por descumprir normas da Aviação Civil, caso os indícios de irregularidades da aeronave sejam confirmados. A ANAC deve investigar os possíveis descumprimentos às normas da aviação civil pelo piloto e ao final do processo, comprovando as irregularidades, os responsáveis podem ser autuados e multados, além da possibilidade de suspensão ou cassação de licenças, habilitações e certificados. O caso pode ser encaminhado pela ANAC ao Ministério Público Federal para análise do caso na esfera criminal.
‘Voos piratas’ são responsáveis por quebra de empresas que trabalham de forma regular
A prática ilícita que virou rotina nos aeródromos da Amazônia vem sendo responsável pela quebradeira geral no setor de Aviação no Brasil. Enquanto um táxi-aéreo demora até 9 meses para se regularizar no mercado, aviões que acabam de ser adquiridos entram em operação rapidamente fazendo com que essas empresas percam passageiros. Tudo com o amplo conhecimento das autoridades brasileiras.
O dono de uma empresa de táxi-aéreo em Rio Branco que preferiu não se identificar, afirmou que os clandestinos não seguem regulamentação, as normas de manutenção e nem exigem que os seus pilotos tenham formação necessária. Enquanto um quilômetro de voo legalizado custa R$ 13, o ‘pirata’ faz pela metade do preço sem nenhuma manutenção rigorosa, sem seguro de cobertura obrigatória e com pilotos sem habilitação.
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O OUTRO LADO – Em nota enviada à redação do ac24horas a ANAC afirma que quando ocorrem acidentes com aeronaves certificadas (aviões particulares, táxi-aéreo, cargueiras, agrícolas, de instrução e as de transporte aéreo de passageiros regulares, não regulares e fretadas), a Agência deve aguardar a confirmação oficial fornecida pela Aeronáutica.

Após a confirmação, a Aeronáutica envia um relatório preliminar à ANAC com essas informações coletadas no local do acidente e informadas no plano de voo da aeronave.
Somente após esse protocolo é aberto um processo administrativo para verificar se o piloto possui habilitação e Certificado Médico Aeronáutico (CMA) válidos e se a aeronave envolvida no acidente estava com a IAM e CA em dias – o que neste caso – com relação aos certificados da aeronave já foram constatados irregularidades.
Jairo Carioca – especial para o ac24horasRio Branco - Acre

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